domingo, 22 de janeiro de 2012

Mundo moderno

Lá fora há algo acontecendo
E eu aqui da janela olhando, sentindo.
A chuva caindo, os carros passando,
As pessoas apressadas demais para olhar,
Para sentir o que está ali, a sua frente,
Esperando, pedindo por atenção.
E eu aqui da janela olhando, sentindo.
Tentando encontrar uma forma
De fazê-las olhar, sentir,
Todas as tentativas foram em vão.
E eu aqui da janela olhando, sentindo.
Sem nada poder fazer, pensando.
Triste época em que vivemos,
Onde as pessoas buscam apenas bens materiais
E se esquecem, ocupadas, apressadas demais,
Para olhar, para sentir o que verdadeiramente é
A essência da vida.
E eu aqui da janela olhando, sentindo.
O céu chorando, suas lágrimas sobre a Terra caindo,
Os pássaros cantando, um cântico diferente, entristecido,
As flores decepcionadas vivendo,
O vento com fúria sofrendo, soprando.
E eu aqui da janela olhando, sentindo.
O ser humano egoísta, arrogante,
Só consigo consegue se importar,
A natureza a vida a lamentar
E eu aqui da janela olhando, sentindo.
Sem nada poder fazer,
Apenas olhando, sentindo e rezando,
Pedindo a Deus para que o dia
Em que as pessoas conseguirem ver,
Não seja tarde demais para mudar,
O que errado está.
E eu aqui da janela olhando, sentindo,
Chorando.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Este é o Prólogo

Deixaria neste livro
toda minha alma.
Este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que compaixão dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda
é mirar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!

Ver passar os espectros
de vidas que se apagam,
ver o homem despido
em Pégaso sem asas.

Ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se miram e se abraçam.

Um livro de poemas
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes mete nos peitos
— entranháveis distâncias. —

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchadas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza-mãe
que explica sua grandeza
por meio das palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível,
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chama.

Sabe ele que as veredas
são todas impossíveis
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros seus de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristonhas
e eternas caravanas,

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia, amargura,
mel celeste que mana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia, o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
chamas e corações.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
nossa barca sem rumo.

Livros doces de versos
são os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
as estrofes de prata.

Oh! que penas tão fundas
e nunca aliviadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!

Deixaria no livro
neste toda a minha alma...

Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos'
Tradução de Oscar Mendes